Entenda os principais fatores e riscos que impactam a avaliação financeira de um terminal portuário
Artigo publicado originalmente no site Valor Investe, elaborado por Camila Affonso e a equipe do Leggio Group, em parceria com o colunista Carlos Heitor Campani.
Olá, pessoal. Mais um artigo escrito juntamente com a Camila Affonso e o time do Leggio Group com o objetivo de trazer um conhecimento específico e ao mesmo tempo relevante para vocês. Vamos lá?
Os portos têm sido fundamentais para o desenvolvimento econômico e para a conectividade global ao longo dos séculos. Desde tempos antigos, essas infraestruturas têm sido pontos vitais para o comércio internacional, impulsionando o crescimento e a prosperidade das nações. Não é por acaso que nada mais, nada menos do que as 19 maiores economias globais possuem este tipo de infraestrutura. Hoje, os portos continuam a desempenhar um papel crucial na economia mundial, facilitando o transporte de mercadorias em grande escala e integrando diferentes regiões do mundo. Mas afinal, como os investimentos neste tipo de infraestrutura são estruturados no Brasil?
A legislação brasileira classifica os terminais portuários em dois grupos distintos: os privados, denominados Terminais de Uso Privado (TUP), e os públicos. Embora dois terços da movimentação estejam concentrados nos terminais privados, é correto afirmar que os portos mais relevantes do país são de natureza pública. Isso se deve ao fato de que uma variedade muito mais abrangente de tipos de cargas é movimentada nesses portos, o que os torna fundamentais para as diversas cadeias de suprimento do Brasil. Em contrapartida, a movimentação nos TUPs está principalmente focada em minério de ferro e petróleo, embora representativa em termos de volume. Neste contexto, uma discussão se torna relevante: como investir em um porto público?
No Brasil e em todo o mundo, o modelo predominante de gestão adotado nos portos públicos é conhecido como "landlord port". Para facilitar a compreensão, é possível estabelecer a seguinte analogia: o Governo desempenha um papel semelhante ao de um proprietário de condomínio que arrenda suas propriedades, por período determinado, para empresas interessadas em estabelecer seus negócios.
Assim como o proprietário do condomínio é responsável pela manutenção das áreas comuns e pela regulamentação das atividades dos locatários, o Governo, como autoridade portuária, é encarregado de manter a infraestrutura básica do porto, como canais de acesso e docas, além de supervisionar as operações portuárias realizadas pelas empresas privadas. Essas empresas, por sua vez, arrendam áreas dentro do porto para conduzir suas operações comerciais, como movimentação de carga e armazenagem, e remuneram o proprietário a partir do estabelecimento de contratos de arrendamento.
Com efeito, há um procedimento formal que deve ser seguido para obter o direito de celebrar esses contratos de arrendamento com o Governo. Em cada área do porto, o Governo realiza um leilão público, no qual as empresas interessadas disputam entre si, sendo vencedora aquela que oferecer a maior outorga (muito comumente, o leilão é definido pelo maior valor de outorga, mas outros critérios são possíveis, como por exemplo o modelo de menor tarifa ou de maior movimentação garantida).
Determinar um valor mínimo para essa outorga requer uma avaliação por parte do Governo, que precisa considerar qual seria uma compensação justa pelo uso dos ativos públicos cedidos durante o período do contrato. Essa avaliação envolve uma análise de valuation que detalha os benefícios econômicos que o arrendatário poderá obter com o uso da área do porto, bem como os custos associados à manutenção, operação e ampliação da superestrutura portuária.
O objetivo é determinar um valor que seja atrativo para os potenciais investidores privados, ao mesmo tempo em que assegure que o Estado (isto é, a sociedade) receba uma compensação justa pelo uso de seus recursos. Nesse contexto, a dinâmica é a seguinte: a empresa que acredita ser capaz de gerar maior valor através da utilização da área, após considerar os investimentos necessários para a operação, tenderá a oferecer o lance mais alto e vencer o leilão.
Essa competição no processo de licitação visa garantir que a concessão seja concedida ao proponente que ofereça a melhor proposta econômica-operacional, ou seja, aquela que gere maior valor para o desenvolvimento da área portuária e, por que não dizer, para a sociedade como um todo.
O método de Fluxo de Caixa Descontado (FCD) tem sido historicamente adotado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) para estabelecer o valor mínimo da outorga. Em resumo, esse método consiste em calcular o valor presente dos fluxos de caixa futuros esperados, levando em consideração os investimentos, as receitas, os custos e as despesas projetados ao longo do período do contrato. Isso permite estimar o valor da concessão com base nos ganhos projetados para o investidor. É importante destacar que, devido à natureza dos contratos de concessão, que têm prazo definido, não se espera uma perpetuidade na operação.
Para a realização do FCD, contudo, algumas premissas precisam ser estabelecidas. Por isso, a ANTAQ e os investidores precisam investigar uma miríade de questões e assim naturalmente lidar com incertezas. Por exemplo, as seis perguntas a seguir são extremamente relevantes na avaliação:
Qual a demanda projetada para o terminal ao longo dos anos de concessão?
Quais serviços e quais tarifas serão ofertados pelo terminal?
Qual o custo operacional total do terminal (OPEX)?
Qual o custo do investimento no terminal (CAPEX) e como ele se distribui no tempo?
Como os investimentos serão financiados?
Qual a taxa de desconto adequada ao risco do investimento para o valuation?
A metodologia da ANTAQ tem passado por constantes aprimoramentos ao longo do tempo, visando aperfeiçoar suas práticas e procedimentos. No entanto, devido ao grande volume de concessões e à necessidade de simplificar as avaliações para evitar litígios prolongados após os leilões, a agência adota algumas simplificações em seus cálculos.
As empresas interessadas na área precisam conduzir suas próprias avaliações para determinar se essas simplificações resultam em projeções otimistas, realistas ou pessimistas para o futuro do negócio na área em questão. A seguir, vamos abordar algumas destas simplificações e discutir qual seria a melhor abordagem para avaliá-las, conforme nossa análise.
A projeção de receita se inicia a partir da projeção de movimentação de cargas no terminal, que é dividida em duas etapas principais: (i) determinação do mercado potencial da região; e (ii) determinação da captura efetiva de volume. Na primeira etapa, a agência geralmente realiza projeções utilizando regressões lineares com base em dados históricos. Na segunda etapa, é empregada uma metodologia conhecida como "Capacity Share", que envolve a alocação do volume potencial da região, composta por um ou mais portos (o que chamamos de cluster), de acordo com a capacidade oferecida por cada participante do mercado.
Para exemplificar o cálculo, considere-se o seguinte cenário: se a demanda projetada para um cluster em um determinado ano totalizar 1.000 toneladas e neste cluster existirem dois terminais - o terminal A, com capacidade de movimentação de 1.500 toneladas e o terminal B, com capacidade de 500 toneladas - a metodologia da ANTAQ alocará de maneira proporcional à demanda: 750 toneladas ao terminal com maior capacidade (A) e 250 toneladas ao terminal com menor capacidade (B).
Esta metodologia confere uma simplificação representativa para cálculo da movimentação futura ao, por exemplo, desconsiderar fatores fundamentais na análise deste tipo de ativo. Esta avaliação deve ser desenvolvida a partir da aplicação de modelos quantitativos de otimização de fluxos, os quais precisam considerar o posicionamento da oferta e da demanda e dos concorrentes a nível nacional e assim avaliar o quão bem-posicionado está o terminal portuário para captura do volume, considerando ainda que expansões futuras de capacidades em infraestruturas podem alterar a dinâmica do mercado.
Em suma, o volume dos terminais não é determinado exclusivamente pela oferta de capacidade e pela tendência histórica, dado que o principal fator na escolha do terminal pelas empresas é a minimização dos custos logísticos - que não necessariamente acompanham aquele resultado. Sob este prisma, é crucial observar que os concorrentes do terminal podem estar localizados em diferentes regiões geográficas, o que não é capturado pela metodologia simplificada.
Um exemplo evidente dessa dinâmica é a competição entre o Porto de Santos, em São Paulo, e os portos do Pará, pelo volume de cargas produzidas no Mato Grosso. Desconsiderar que uma futura expansão de capacidade do outro lado do Brasil possa interferir na futura captura de volume do terminal é um equívoco que permeia a simplificação adotada pela agência.
O segundo passo para a determinação da receita é o cálculo da tarifa. Para isso, a ANTAQ também realiza uma simplificação na sua abordagem ao adotar o cálculo da média simples das tarifas em terminais similares do Brasil. No entanto, segundo a visão do Leggio Group, ao utilizar essa simplificação, a agência não leva em conta aspectos essenciais, tais como a oferta de serviços adicionais, a presença de incentivos fiscais, o número de participantes no cluster, a estrutura societária dos terminais e o contexto econômico regional.
E, ainda, cabe ressaltar que a agência igualmente simplifica o cálculo de outras premissas importantes tais como os custos operacionais (OPEX), os investimentos (CAPEX), a taxa de desconto adequada ao risco do investimento e a estruturação do financiamento do projeto. Será que todas as indicações dadas pela agência coincidem com as dos investidores? Esta seria uma baita avenida de discussão e deixaremos para tratar desses pontos por aqui em um artigo futuro.
Por fim cabe destacar que investimentos de capital intensivo e de longo prazo, como os de infraestrutura portuária, requerem uma análise minuciosa dos riscos envolvidos. Durante a fase de construção, podem surgir desafios imprevistos, como problemas de qualidade do solo ou variações nos preços internacionais de insumos que impactam os custos das obras. Os riscos operacionais e de receita estão relacionados a possíveis dificuldades na eficiência das operações e na geração de receita esperada, devido a questões como a complexidade subestimada da operação ou mudanças no mercado que reduzem a movimentação no terminal.
Já o risco financeiro decorre, por exemplo, de mudanças inesperadas na taxa de juros que afetam os custos de financiamento projetados. A avaliação de todos estes riscos deve integrar a metodologia de cálculo do valuation e orientar a tomada de decisão por parte do investidor. Por outro lado, uma estratégia de precificação extremamente conservadora e defensiva provavelmente vai tornar a proposta não competitiva. Por esta razão, uma avaliação minuciosa e o mais realista possível se faz fundamental.
Com tudo que foi exposto e discutido, fica nítido que o funcionamento eficiente dos portos públicos é diretamente impactado por essas avaliações. O desafio para o governo reside em estabelecer um preço mínimo adequado para a outorga, pois um valor excessivamente alto pode afugentar potenciais interessados, comprometendo a viabilidade do projeto e, consequentemente, a arrecadação governamental e o funcionamento do sistema portuário brasileiro.
Por outro lado, as empresas interessadas precisam realizar avaliações detalhadas, aprofundando as premissas do valuation e considerando sensibilidades para os riscos específicos do projeto, visando garantir a solidez e a sustentabilidade do investimento a longo prazo. Uma execução inadequada dessas etapas pode resultar em resultados aquém do esperado (deixando passar boas oportunidades de investimento) ou, no outro extremo, em prejuízos para os acionistas investidores.
Link do artigo publicado no Valor Investe: https://valorinveste.globo.com/blogs/carlos-heitor-campani/coluna/como-os-investimentos-em-terminais-portuarios-sao-estruturados.ghtml
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