A importação de diesel S10 atualmente é estrutural. Em função da crise energética ocorrida com o início da Guerra da Ucrânia, o risco de desabastecimento se tornou tema de discussão no Brasil em 2022. Medidas foram adotadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e pelo Ministério de Minas e Energia para mitigar o impacto da redução nos estoques mundiais de diesel, associada à limitação da exportação criada por países produtores e às sanções impostas atualmente pela União Europeia à produção de derivados na Rússia. A utilização dos estoques locais associada à importação, até o momento, tem evitado a falta do produto em pontos onde as cadeias logísticas são vulneráveis no país.
Após a Pandemia de COVID-19 em 2021, foi apresentado, no artigo “Impactos Permanentes da Pandemia sobre o Mercado Internacional de Petróleo e Combustíveis”, o conceito de resiliência aplicada ao suprimento de energia.
“Do ponto de vista de garantia do suprimento de energia aos consumidores, as cadeias de petróleo e combustíveis possuem diversas vulnerabilidades. Em um novo mercado de energia, esta será uma variável a ser considerada no planejamento do suprimento pelos clientes e no planejamento da matriz energética dos países. Os frequentes eventos disruptivos (desastres naturais, ataques digitais, conflitos armados, acidentes), adicionados ao longo período da Pandemia, reforçaram a criticidade da continuidade do suprimento de energia nestas situações. A busca por fontes de energia menos vulneráveis, será guiada por estratégias de Supply Chain, que há décadas também são utilizadas para outros insumos de produção. A pouca familiaridade desta visão aplicada ao mercado de energia é um dos principais impactos que a Pandemia trará para o setor. Apresentar o grau de resiliência do suprimento de produto, neste caso energia, passará a ser um aspecto fundamental para manutenção dos clientes.”
Neste cenário de importação estrutural de diesel S10 e aplicando-se o conceito de resiliência, pode-se discutir quais as medidas a serem adotadas no Brasil em diferentes horizontes de tempo, para que se possa efetivamente aumentar o grau de segurança no suprimento deste produto.
CURTO PRAZO
Entre as ações que foram implantadas em 2022 estão: o aumento da utilização da capacidade nas refinarias produtoras de S10; o monitoramento de estoques do derivado; e o acompanhamento e análise contínua, pela ANP, da oferta de produção, da oferta de importação e da estimativa de consumo do combustível no país. A agência instituiu a obrigatoriedade para os agentes de mercado informarem os volumes internalizados, os volumes contratados no exterior com destino ao Brasil e quaisquer fatos relevantes que possam impactar negativamente a produção ou importação do derivado.
Outra medida essencial é estabelecer cadeias alternativas de suprimento para o diesel S10, uma vez que a importação se concentra nos Estados Unidos (aproximadamente 60% do volume). Os candidatos para este suprimento alternativo estariam no Golfo Pérsico e Índia. Esta ação deveria ser proativa por parte de importadores, uma vez que exportadores como China e Índia adotaram medidas para limitação dos volumes exportados e novas sanções sobre o diesel de origem russa estão sendo implementadas na Europa desde janeiro de 2023.
O estabelecimento destas cadeias alternativas requer a possibilidade de contratação de volumes e fretes regulares a partir destas novas origens. Simultaneamente, deve ser feita a adequação de estoques operacionais para suprir a descontinuidade causada pelo aumento no lead time de transporte do produto desde a nova origem até o país.
Figura 1: Cadeias de Distribuição de Diesel – Fonte: Leggio
MÉDIO PRAZO
Para que se obtenha resultados no médio prazo para a mitigação do risco de desabastecimento, é preciso melhorar a resiliência das cadeias logísticas de forma sistemática. Este é um trabalho que abrange a construção de cenários com situações de potencial ruptura do suprimento e o planejamento de soluções para sua continuidade. O estudo de resiliência de cadeias logísticas se dá em quatro níveis:
1ª Etapa – Monitoramento do nível de serviço nos pontos de venda
Neste primeiro nível de análise busca-se identificar os principais agentes pertencentes a cada cadeia logística para coleta de informações e identificação de risco de ruptura. Ou seja, estabelecer meios para monitoramento do nível de serviço em Revendas, TRRs e grandes consumidores nas cadeias logísticas de distribuição durante os momentos de crise.
2ª Etapa – Diagnóstico da Potencial Causa de Ruptura
O diagnóstico se inicia com a identificação das cadeias logísticas vulneráveis à interrupção do fluxo logístico que possam causar ruptura no suprimento de combustíveis – ou seja, a impossibilidade de seguir com o fluxo de produto. Num segundo momento, é necessário o levantamento histórico dos eventos que levaram à interrupção de fluxos logísticos, assim como suas causas para que se possa aplicar métodos de análise de risco que irão priorizar as localizações segundo seu impacto na cadeia logística de distribuição.
3ª Etapa – Soluções para a Continuidade do Suprimento
Avaliar as soluções alternativas para suprimento das cadeias de distribuição, com base nos sete principais tipos de estratégia para aumento da resiliência: aumento de capacidade, suprimento alternativo, aumento da velocidade de resposta da cadeia, aumento de estoques, aumento da flexibilidade na cadeia (produção, transporte, informação), aumento de eficiência e agregação da demanda para reduzir incerteza. Nesta etapa se avalia a aplicação de cada estratégia de acordo com as características de cada uma das nove cadeias de distribuição (Fig 1). Por exemplo, cadeias que têm rotas de acesso limitadas tendem a utilizar estratégias baseadas em aumento de capacidade ou velocidade de resposta em detrimento a estratégias de suprimento alternativo.
4ª Etapa – Aumento da Resiliência das Cadeias Logísticas
Nesta última etapa, o objetivo é identificar os tipos de ruptura possíveis em cada cadeia de distribuição. A partir daí, pode-se aplicar as diferentes estratégias para aumento da resiliência e elaborar planos de contingência que possam garantir a continuidade do fornecimento em cada ponto da cadeia – como a criação de rotas alternativas ao ponto de ruptura ou modais alternativos de transporte. A preparação antecipada destes Planos de Contingência para cada uma das cadeias de distribuição sob risco garante a velocidade na gestão de crise e permite que recursos necessários para a implementação das estratégias já tenham sido preparados e disponibilizados antecipadamente.
Atuar desta forma preventiva no suprimento de diesel S10, ou mesmo outros combustíveis, poderá garantir que o país esteja preparado para potenciais novas crises, num momento em que a transição energética está apenas se iniciando.
No próximo artigo, serão apresentadas soluções de longo prazo para a segurança de abastecimento, já considerando a substituição energética dos combustíveis fósseis por novas tecnologias que buscarão zerar a emissão de gases poluentes.
Nota: este artigo, de autoria de Marcus D´Elia, foi originalmente publicado com exclusividade no site da Revista Brasil Energia.
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