top of page

Afinal de contas, o que são finanças sustentáveis?


Artigo publicado originalmente no site Valor Investe, elaborado por Pedro Gosling do Leggio Group, em parceria com o colunista Carlos Heitor Campani.


Olá, pessoal. O artigo de hoje foi coescrito com Pedro Gosling, consultor do Leggio Group. Meu objetivo é compartilhar nesta coluna temas relevantes e contar com o conhecimento específico de outros experts, assim como fiz em outras ocasiões por aqui. Nossa conversa de hoje é mais do que relevante, eu diria ser vital e inegociável. Não obstante, ainda é um tema que carece de normas legais e, por consequência, dá brechas ao uso inadequado de Finanças no que concerne à análise e, principalmente, à gestão de negócios no tocante à sustentabilidade do meio ambiente e da sociedade (como um todo). Quando Finanças não considera o tema sustentabilidade, ela está fazendo a conta errada e, então, levará a decisões e modos de gestão de negócios ineficientes para a sociedade, o que tem tudo para gerar um enorme custo lá na frente. Custo esse que provavelmente, em algum momento, não seremos capazes de pagar. Sendo assim, vamos lá!


Em meio a um cenário global crítico, onde os desafios relacionados ao equilíbrio entre consumo, produção, relações humanas e impactos ambientais se intensificam, torna-se evidente o aumento dos índices de desigualdade social e prejuízos ao meio ambiente. O conceito ESG ou, em português, ASG (que rege princípios ambientais, sociais e de governança) emerge como um conjunto de práticas que considerem essas complexidades. Ao adotar tais princípios, as empresas não apenas respondem aos desafios contemporâneos, mas também se posicionam estrategicamente para prosperar em um ambiente empresarial que valoriza práticas social e ambientalmente responsáveis. Essa integração não só responde aos imperativos do presente, mas também sinaliza uma visão de negócios orientada ao futuro e alinhada às crescentes demandas por sustentabilidade e responsabilidade corporativa.


O conceito de Finanças Sustentáveis nasce exatamente neste ponto e é extremamente simples de ser definido: ele nada mais é do que tudo que conhecemos de Finanças (em especial, no que diz respeito à avaliação e à gestão de negócios), porém que considere todos os efeitos ESG, ou seja, todos os efeitos oriundos dos impactos ambientais, sociais e de uma boa (ou má) governança corporativa. Notem que esses impactos podem ser positivos (exemplos: receitas majoradas, dívidas mais baratas, redução de impostos etc.) ou negativos (investimentos adicionais necessários, controle e medição de indicadores ESG, maiores custos em benefício da sociedade e do meio ambiente etc.). E, torna-se quase desnecessário dizer: não há outro conceito a ser seguido, senão o de Finanças Sustentáveis. Executivos, consultores e demais profissionais que seguirem o modelo ultrapassado de Finanças (i.e., que não lida com as questões ESG) estão usando um modelo errado e, portanto, estarão fadados ao fracasso e serão nocivos à sociedade. O problema é que não sabemos ainda quando esse fracasso virá, pois isso dependerá de alguns diversos fatores. Mas é certo que toda empresa precisa começar a lidar com essa transição.


Nesse contexto, faz-se mister realizar uma avaliação aprofundada do impacto da implementação dessas práticas nas projeções financeiras das empresas, o que invariavelmente repercute na análise e na gestão dos negócios. Sob essa perspectiva, para citar um exemplo bastante ilustrativo, os desafios associados aos custos envolvidos na descarbonização da cadeia de suprimentos se destacam, criando um contraste marcante com a crescente necessidade de ajustar o modus operandi das empresas. Este ajuste é motivado pelo risco de gradual diminuição da aceitação dos clientes em relação a empresas que não adotam compromissos sólidos com as questões socioambientais e potencialmente por uma regulação vindoura cada vez mais rígida e custosa para essas mesmas empresas.

 

Nesse ambiente dinâmico, é natural que as empresas enfrentem um dilema financeiro e estratégico, onde a gestão cuidadosa dos custos relacionados à aplicação de práticas ESG torna-se vital para equilibrar a demanda dos consumidores por sustentabilidade com a manutenção da viabilidade financeira a longo prazo. A capacidade de enfrentar esses desafios determinará não apenas a resiliência, mas também o êxito futuro das organizações diante das mudanças nas expectativas e valores do mercado. Fica claro aqui que a sociedade tem seu papel extremamente relevante ao cobrar e, principalmente, penalizar empresas que não sigam práticas sustentáveis. Caso contrário, “fazer o bem não valerá a pena”, gerando um efeito de seleção adversa de empresas viáveis financeiramente, porém insustentáveis do ponto de vista socioambiental: esta é realmente uma decisão que nós, enquanto sociedade, precisaremos tomar. Caso contrário, gerações futuras terão um custo que pode ser impagável.

 

Tomemos o exemplo relevante dos setores industrial e agropecuário: quando a análise se aprofunda, torna-se evidente que as emissões de gases de efeito estufa provenientes das operações de transporte de produtos emergem como um dos principais desafios para o alcance das metas de sustentabilidade das empresas. Nesse contexto, a necessidade de desenvolver planos estratégicos para a substituição da motorização dos veículos torna-se crucial. No entanto, a ausência de uma solução tecnológica dominante e a incerteza quanto ao timing ideal para a transição adicionam complexidade a este desafio. Outras incertezas dizem respeito à quando e como (e se) virá uma regulamentação ESG, bem como ao nível de reação da sociedade enquanto demandante de produtos daquelas empresas pouco comprometidas, de fato, com a temática ESG.

 

Um estudo conduzido pela Leggio Consultoria (que deu origem a reportagem no Valor), especializada em logística nas áreas de petróleo, gás e energia renovável, destacou que a transição da utilização de diesel para fontes energéticas alternativas se desdobrará em duas fases distintas, dada a ausência, na próxima década, de tecnologias plenamente disponíveis, comercialmente maduras e economicamente eficazes e capazes de eliminar por completo as emissões. Em que pese a predominância atual do diesel, perspectivas futuras apontam a introdução de diferentes alternativas de motorização em segmentos diversos, guiadas por critérios como autonomia, infraestrutura de abastecimento, investimento inicial no veículo, custos de manutenção e o mercado secundário (revenda).

 

De acordo com o estudo, na primeira fase que se consolida ao longo da década de 2030, a transição visa principalmente à redução parcial das emissões de gases de efeito estufa. Esse propósito será alcançado por meio da implementação de instrumentos para redução de emissões, como o desenvolvimento e ampliação do uso de biocombustíveis, a adoção de motorizações híbridas para veículos pesados e a neutralização de emissões através do mercado de carbono. No contexto brasileiro, esse cenário é direcionado, por um lado, pelo estímulo aos biocombustíveis e, por outro lado, pela lenta articulação para a criação de corredores de abastecimento para combustíveis alternativos e pela extensa malha rodoviária nacional.

 

Já a segunda onda, prevista para se consolidar ao longo da década de 2050, tem como característica central a busca pela neutralização total de emissões. Nesse contexto, prevê-se um impulsionamento de novas tecnologias por meio de mecanismos regulatórios tais como "carbon taxes", que irão impor penalidades à motorização por combustíveis fósseis e darão competitividade a soluções como a motorização elétrica e a baseada em hidrogênio. Ressalta-se que este período ainda carrega um grau significativo de incerteza, especialmente considerando a possibilidade de avanços tecnológicos que possam aprimorar as opções de motorização já existentes ou mesmo o surgimento de soluções ainda não comercialmente exploradas.

 

Embora as soluções para a descarbonização do transporte ainda sejam incipientes, é fundamental que o planejamento estratégico de médio e longo prazo das empresas contemple um plano para a transição gradual do tipo de motorização. A adaptação dos modelos de negócios para incorporar a sustentabilidade não é apenas uma resposta às demandas do presente, mas uma medida proativa diante das mudanças iminentes no cenário competitivo. Decerto, a metodologia de avaliação da descarbonização do transporte pode ser estendida para outras esferas, levando em consideração o negócio específico de cada empresa. Avaliar o volume de investimento, o impacto positivo na geração de receita (pelo maior potencial de demanda por produtos e negócios sustentáveis), os custos provenientes da atividade sustentável, o cumprimento de obrigações fiscais e a possibilidade de obtenção de financiamentos mais baratos (tendência já observada para negócios sustentáveis) são elementos cruciais para uma boa análise de qualquer negócio segundo o conceito de Finanças Sustentáveis. Contudo, projetar como esses efeitos se desdobrarão ao longo do tempo é ao mesmo tempo crucial e desafiador, não apenas para a construção de planos estratégicos bem ajustados, mas também para um valuation realista para o negócio considerado. Outro item importante nesta transição para a sustentabilidade será a definição e medição eficaz de indicadores de sustentabilidade a fim de que isso possa ser monitorado pela sociedade (eis a letrinha G de Governança na sigla ESG!).

 

Além do exemplo específico da descarbonização do transporte, a agenda ESG que norteia a prática de Finanças Sustentáveis abrange conceitos fundamentados em diversas melhorias em seus três pilares (E, S e G). Na dimensão ambiental, destaca-se a importância dos investimentos em aprimoramentos no manejo de resíduos, consumo de água, energia e materiais, tratamento da biodiversidade e uso do solo. No pilar social, a decisão de construir relações sólidas e sustentáveis com os stakeholders, tais como trabalhadores, comunidade, clientes e fornecedores, torna-se altamente relevante. No pilar da governança, as empresas têm elevado sua atenção para elementos como o grau de comprometimento com a transparência de seus dados fiscais, o nível de comprometimento com práticas anticorrupção, práticas de enfrentamento corporativo ao racismo, sexismo e etarismo, e a independência e qualidade do conselho administrativo, para citar alguns bons exemplos.

 

O mercado financeiro começa a dar sinais de que esse tema veio realmente para ficar (e não poderia ser diferente). Uma análise realizada pelo Morgan Stanley Institute for Sustainable Investing, com base em dados da Morningstar, demonstrou que no primeiro semestre de 2023, os ativos sob gestão (sigla em inglês: AUM) em fundos sustentáveis atingiram a marca de US$ 3,1 trilhões, o que ainda é pouco por representar apenas 8% do total sob gestão no mundo – o gráfico abaixo mostra esta evolução histórica, que em termos percentuais é crescente. Já por aqui no Brasil, a B3 destaca diversos mecanismos financeiros que facilitam a captação de recursos para atividades econômicas sustentáveis, incluindo terminologias que variam entre Títulos Verdes, Sociais, Sustentáveis, Vinculados à Sustentabilidade etc. A ideia é que a demanda por tais títulos seja relativamente maior, o que tende a reduzir os custos para empresas sustentáveis e que, portanto, têm acesso a esse tipo de financiamento.



Assim, conclui-se que a modelagem via Finanças Sustentáveis transcende, e muito, os meros custos operacionais e permeia toda a estrutura financeira corporativa, desempenhando um papel importantíssimo na construção de um modelo de negócios sustentável, resiliente e alinhado com as expectativas emergentes do mercado, dos investidores e da sociedade em geral. O seu impacto vai muito além de uma imagem pública positiva. A construção de um modelo de negócios sustentável não apenas atende às crescentes demandas por responsabilidade corporativa, mas também contribui para a resiliência financeira da empresa e a prepara para o longo prazo. Aliás, é um pouco mais do que isso: a prática do conceito de Finanças Sustentáveis para avaliação e gestão de negócios contribuirá, sem nenhuma sombra de dúvida, para uma sociedade melhor e em melhor harmonia com o meio ambiente que não apenas nos cerca, mas nos é fundamental para a vida. Concorda?

 

Comments


bottom of page