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SUBSTITUIÇÃO ENERGÉTICA EM CAMINHÕES E ÔNIBUS



A ampla discussão existente sobre a substituição energética para os veículos movidos a gasolina e etanol (ciclo Otto) dificilmente avança até os caminhões e ônibus à diesel. Entender as tendências e o impacto da substituição energética neste segmento é importante para projetar a expectativa de consumo do diesel no horizonte de 20 anos e, portanto, a visão sobre produção e importação do produto no Brasil.


No Brasil, o consumo de diesel é equivalente em volume se comparado a gasolina e etanol, portanto objetivos de redução de emissões deveriam ir muito além da incorporação de novos padrões para motorização destes veículos como Euro VI, prevista para 2023 pelo CONAMA através do Programa de Controle de Emissões Veiculares 8. Estes padrões têm como objetivo a redução nos índices de elementos poluentes, sem o foco específico na redução de consumo.



Fonte: ANP

Gráfico – Consumo Diesel, Gasolina e Etanol em 2019.


A substituição do diesel em veículos pesados (caminhões e ônibus), tem como alternativas três principais tecnologias: motorização elétrica recarregável, motorização híbrida diesel-elétrica e motorização a gás natural (gás natural liquefeito ou gás natural comprimido). Todos os tipos de motorização estão plenamente desenvolvidos na Europa, e comercializadas regularmente nos diversos países.


Atualmente os três tipos de tecnologia para motorização também encontram-se disponíveis no Brasil. Foram aplicadas inicialmente em ônibus urbanos, em operação há mais de dez anos, já com o objetivo de redução de emissões nas cidades. Porém no caso de caminhões, os novos tipos de motorização apenas começam a ser comercializados por grandes montadoras no Brasil.


O caso da Europa


Como panorama inicial podemos avaliar a substituição dos veículos pesados à diesel na Europa, onde a introdução de ônibus e caminhões com novos tipos de motorização datam de 1996 e 2000 respectivamente. Considerando dados de 2019, em função das distorções encontradas em 2020, verifica-se que a disseminação de novos tipos de motorização no mercado europeu ainda é tímida, mesmo que países como Alemanha e França tenham intensos programas de modificação da matriz energética.


Tomando dados de 2019, verifica-se que 97,9% dos caminhões médios e pesados vendidos na Europa ainda são movidos à diesel, com motorização Euro VI. Entre as motorizações alternativas, se destacam os veículos movidos a gás natural com 1,72% das vendas no ano. Os caminhões elétricos e híbridos correspondem a 0,2% e 0,07% respectivamente. Tomando-se os números de 2020 há pouca variação, com as novas motorizações respondendo por 3,4% das vendas, apesar da queda significativa de cerca de 25% no total do mercado de caminhões.



Fonte: European Automotive Manufacturers Association

Gráfico – Venda de caminhões médios e pesados por tipo de motorização em 2019.


Quando são avaliados os dados de 2019 para ônibus, há números mais animadores. Ônibus movidos à diesel correspondem a 84,9% das vendas de veículos. Neste caso, a parcela de motorizações alternativas se divide de maneira mais igualitária, com motorizações a gás natural respondendo por 6,2% do mercado, motorizações híbridas por 4,7% e motorizações elétricas atingindo 4,1%. Era esperada esta participação maior das motorizações alternativas, em função da aplicação em ônibus urbanos adotada principalmente na França, Alemanha e Espanha. Comparando-se com 2020 as novas motorizações alcançam 27,1% das vendas no mercado, que contabilizou uma queda de cerca de 27% no total.



Fonte: European Automotive Manufacturers Association

Gráfico – Venda de ônibus por tipo de motorização em 2019.


Como comparação, o mercado de caminhões é cerca de 9 vezes maior que o mercado de ônibus na Europa. Em números correspondendo a 2019, foram vendidos 380 mil caminhões em comparação com 43 mil ônibus. O ponto é que para haver redução significativa de emissões a frota a receber as motorizações alternativas deveria englobar caminhões de forma mais representativa.


Como os motores a hidrogênio também são uma solução discutida, vale citar o primeiro caminhão a hidrogênio comercializado na Europa em 2020 pela Scania. A Mercedes Benz também apresentou sua versão de caminhão a hidrogênio, em fase de testes, sem comercialização até o momento. Os ônibus movidos a hidrogênio estão sendo testados em grandes cidades na Europa nos últimos 15 anos, mas não entraram em fase comercial.


O panorama de substituição energética para veículos à diesel na Europa nos sugere algumas conclusões. Inicialmente se verifica que o processo tem uma velocidade de implementação significativamente menor do que as expectativas em relação a veículos leves (ciclo Otto). Considerando que 2030 é um marco definitivo na Europa para veículos leves, em um processo de amadurecimento de cerca de 30 anos, as mudanças para veículos pesados deverão estar em discussão nos próximos 10 a 15 anos.


Um segundo ponto importante é a dificuldade em se identificar uma tendência clara no uso das novas motorizações, apesar da predominância dos veículos movidos a gás natural, onde já existe uma tecnologia consolidada, o desenvolvimento de baterias associadas a veículos híbridos e elétricos poderá modificar este cenário.


Um terceiro ponto a ser discutido se refere à performance no mercado de diferentes motorizações. Ou seja, quais os critérios para introdução destes novos veículos, que em parte explicam a distribuição de vendas na Europa. Podemos citar aspectos operacionais e econômicos: autonomia dos veículos, infraestrutura para abastecimento, valor inicial do investimento no veículo, custo de manutenção ao longo da vida útil, existência de mercado secundário (revenda). Como é possível verificar na tabela a seguir, nenhuma das motorizações alternativas atende plenamente todos os critérios atualmente, dividindo assim o interesse do mercado. A evolução de cada tipo de motorização com relação a critérios como estes apresentados, poderá determinar seu fortalecimento no mercado.


Importante notar que para ônibus urbanos, as questões operacionais são controláveis e existem fortes incentivos econômicos por parte do Estado, o que explica a maior penetração das motorizações alternativas se compararmos com o mercado de caminhões.


Gráfico - Avaliação de motorizações alternativas em relação a critérios de mercado para veículos pesados


Substituição energética no Brasil


No Brasil a introdução comercial de motorizações alternativas para caminhões apenas se inicia com lançamento de veículos movidos a GNV pela Scania e veículos elétricos pela VW. Além disso, a frota circulante de ônibus híbridos diesel-elétrico está presente em algumas capitais do país.


Considerando a necessidade de políticas públicas para incentivo a comercialização e desenvolvimento de motorizações alternativas, a introdução destas novas motorizações tem um longo caminho a percorrer no país. Atualmente a principal aposta do poder público está nos biocombustíveis e deve se perpetuar nesta década, se contrapondo a introdução de motorizações alternativas.


Combinando o panorama do mercado europeu e o contexto atual no país, não há a expectativa de rápida substituição energética para veículos pesados à diesel no Brasil. Mantendo-se esse cenário, o consumo de diesel rodoviário não deverá ser afetado em função da introdução de motorizações alternativas no país no horizonte até 2035.


Dado o interesse da sociedade brasileira, assim como as metas de redução de emissões previstas em acordos internacionais, cabe ao CNPE – Conselho Nacional de Política Energética avaliar se o rumo atual para a substituição energética do diesel está adequado.


Artigo produzido pelo sócio Marcus D’Elia e publicado com exclusividade pela Revista Brasil Energia.

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