Céu em reconstrução: a aviação comercial brasileira em perspectiva
- clarisse37
- 30 de jul.
- 6 min de leitura
Atualizado: 1 de ago.

Artigo publicado originalmente no site Valor Investe, elaborado por Camila Affonso, sócia do Leggio Group, em parceria com o colunista Carlos Heitor Campani.
Análise do desempenho financeiro das líderes do mercado, os efeitos da recuperação da demanda e os desafios estruturais do setor aéreo nacional.
Bom dia, Pessoal! O artigo de hoje foi desenvolvido em parceria com Camila Affonso, sócia do Leggio Group, e sua equipe de consultores especializados em avaliação de empresas e negócios logísticos. A proposta é trazer uma análise clara, técnica e imparcial sobre o setor de aviação comercial no Brasil, com foco nas três principais operadoras do mercado: GOL, LATAM e Azul. Ao longo do texto, exploramos os impactos mais relevantes nos resultados financeiros históricos e nas operações dessas companhias, além das estratégias adotadas para enfrentar um cenário desafiador, marcado por alta nos custos, instabilidade cambial, mudanças no comportamento da demanda e uma agenda cada vez mais forte de inovação, digitalização e sustentabilidade. Vamos lá?
O setor de aviação comercial no Brasil desempenha papel estruturante na logística nacional, sendo importante para a integração econômica e territorial. Em um país com dimensões continentais e infraestrutura terrestre desigual, o transporte aéreo é a principal via para conectar centros urbanos relevantes e permitir a inclusão de regiões periféricas nas cadeias produtivas e de consumo. O mercado doméstico brasileiro é amplamente atendido pelas três principais operadoras do país: GOL Linhas Aéreas, LATAM Airlines Brasil e Azul Linhas Aéreas, que juntas respondem por mais de 95% do mercado, conforme dados da ANAC. Essas companhias operam não apenas no transporte de passageiros, mas também em rotas internacionais e no segmento de carga aérea, consolidando-se como os principais vetores da mobilidade nacional.
Neste contexto, a partir de 2020, a pandemia de COVID-19 impôs um choque sem precedentes ao setor. O fechamento de fronteiras, as medidas de isolamento social e o colapso da confiança dos consumidores provocaram uma retração abrupta da demanda. As receitas operacionais despencaram, aeronaves foram temporariamente retiradas de operação e houve cortes profundos na estrutura de custos e pessoal.
Embora a reabertura progressiva da economia e o avanço da vacinação tenham iniciado um processo de recuperação já em 2021, a retomada se deu de forma desigual entre empresas, sendo acompanhada por pressões adicionais como a escalada do preço do Querosene de Aviação (QAV), fortemente atrelado à cotação do petróleo e à taxa de câmbio, e o aumento dos custos logísticos globais.
Esse cenário de forte impacto e desafios foi refletido nos resultados financeiros das principais companhias aéreas brasileiras. Com base nos demonstrativos financeiros divulgados publicamente pelas empresas em seus sites institucionais e nos dados da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), é possível identificar uma trajetória dividida em três fases distintas entre 2018 e o primeiro trimestre de 2025: um período de expansão pré-crise, seguido pelo colapso provocado pela pandemia e, por fim, a gradual reacomodação no pós-crise.

No biênio pré-pandêmico (2018–2019), GOL, LATAM e Azul apresentaram crescimento consistente da receita líquida, refletindo um ambiente de demanda aquecida, expansão da oferta e relativa estabilidade macroeconômica. Contudo, em 2020, a crise sanitária provocou uma contração drástica dos resultados. A GOL, por exemplo, registrou margens EBITDA (contábil) negativas superiores a 200% no segundo trimestre daquele ano, evidenciando a profundidade da deterioração financeira.
Já a LATAM, pressionada por sua estrutura de capital internacional, ingressou no regime de recuperação judicial (Chapter 11) nos Estados Unidos ainda em 2020, mecanismo que permite a reorganização financeira de empresas sem interromper suas operações. Este processo culminou na reorganização societária e operacional concluída em 2022. Destaca-se que os dados de margem EBITDA da LATAM foram estimados a partir da composição do lucro operacional e da depreciação e amortização, visando viabilizar a análise comparativa dos resultados.
A Azul, embora também impactada, apresentou maior resiliência no período pós-crise, especialmente a partir de 2022, quando passou a recuperar margens operacionais de forma mais consistente. No quarto trimestre de 2024, a Azul atingiu R$ 5,5 bilhões em receita líquida, com margens EBITDA superiores a 30%.
A GOL, por sua vez, também superou R$ 5,5 bilhões em receita no mesmo período, mas manteve margens voláteis e abaixo dos níveis pré-pandemia, o que indica desafios persistentes relacionados a endividamento e custo operacional. A LATAM apresenta a maior receita líquida entre as companhias aéreas brasileiras, impulsionada pela ampla cobertura de sua malha aérea, presença consolidada no mercado internacional e oferta diversificada de serviços, o que lhe confere destaque no cenário nacional.
Apesar da recuperação, a Azul enfrentou em 2025 um agravamento do desequilíbrio financeiro herdado do período pandêmico. Em maio, a companhia protocolou pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos, sob o Chapter 11, após registrar prejuízos bilionários e enfrentar dificuldades financeiras agravadas pela desvalorização do real e desafios na cadeia de suprimentos. A dívida atingiu R$ 31,35 bilhões no primeiro trimestre, acompanhada de queda expressiva no valor das ações e dificuldades para captar recursos sem proteção judicial.
O plano de reestruturação, apoiado por credores e parceiros estratégicos como AerCap, United Airlines e American Airlines, inclui um financiamento DIP de US$ 1,6 bilhão para refinanciar dívidas e aportar capital novo, além da reorganização de contratos de leasing. A empresa projeta eliminar mais de US$ 2 bilhões em dívidas e garantir até US$ 950 milhões em aportes de capital durante o processo, que não afetará operações nem clientes.
Como consequência do anúncio desse plano, as ações da Azul refletiram as expectativas do mercado, apresentando forte volatilidade nos pregões seguintes. Os papéis da companhia chegaram a cair quase 40% no acumulado de maio, evidenciando a reação negativa do mercado ao novo cenário de risco, mas também ensaiaram recuperação parcial com a sinalização de continuidade das operações comerciais e apoio institucional de investidores estratégicos. Com isso, o gráfico a seguir ilustra a oscilação do valor das ações da AZUL4, destacando a volatilidade no contexto pós-pandêmico e a forte desvalorização registrada a partir de maio de 2024.

Dentro desse contexto de desafios econômicos e operacionais, a volatilidade do preço do Querosene de Aviação (QAV) destaca-se como um dos principais fatores de pressão estrutural sobre os custos das companhias aéreas. Trata-se do principal combustível utilizado na aviação comercial, derivado do petróleo, que responde em média por mais de 30% das despesas totais das companhias, conforme destacado no gráfico a seguir. Seu preço é diretamente influenciado pelas oscilações da cotação internacional do barril de petróleo e pela taxa de câmbio, tornando as operadoras altamente vulneráveis a choques externos.

Dado este cenário, o setor tem buscado alternativas mais estáveis e ambientalmente sustentáveis, sendo o Combustível Sustentável de Aviação (SAF) a principal aposta para a transição energética da aviação. O SAF é um biocombustível produzido a partir de matérias-primas renováveis, como resíduos agrícolas, óleos vegetais e biomassa, com potencial de redução de até 80% nas emissões de gases de efeito estufa ao longo do ciclo de vida do produto, quando comparado ao QAV fóssil.
Apesar da viabilidade técnica já comprovada, sua adoção em larga escala enfrenta barreiras significativas, incluindo o alto custo de produção, a oferta global limitada e a ausência de políticas públicas robustas no Brasil que incentivem sua fabricação e utilização. A meta estabelecida pela IATA de alcançar emissões líquidas zero até 2050 impõe ao setor aéreo o desafio de alinhar sustentabilidade ambiental à viabilidade econômica, exigindo vultosos investimentos em inovação tecnológica, renovação da frota e expansão da cadeia produtiva do SAF.
Diante da intensa reconfiguração vivida pela aviação brasileira nos últimos anos — marcada por crises sanitárias, pressões econômicas, endividamento e transição energética — torna-se cada vez mais relevante compreender os fatores que determinam a resiliência e sustentabilidade das companhias aéreas no país.
A trajetória de recuperação parcial das grandes operadoras, o impacto direto das variações cambiais e do preço do QAV, bem como a busca por soluções sustentáveis como o SAF, revelam um setor em profunda transformação. Nesse contexto, entender as estratégias financeiras, operacionais e ambientais adotadas pelas empresas é fundamental para antecipar tendências, riscos e oportunidades. Convidamos, portanto, o leitor a explorar com mais profundidade as dinâmicas deste setor estratégico, cujos desdobramentos terão impacto direto sobre a conectividade nacional, o desenvolvimento logístico e os compromissos climáticos do Brasil nas próximas décadas.
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, CNPI, Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças, Sócio da CHC Finance e da Four Capital, além de Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros.
Link do artigo publicado no Valor Investe: https://valorinveste.globo.com/blogs/carlos-heitor-campani/coluna/ceu-em-reconstrucao-a-aviacao-comercial-brasileira-em-perspectiva.ghtml
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