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A dinâmica do mercado portuário de contêineres - e seus investimentos

Fundamental para o transporte global de cargas, o entendimento deste setor também é importante para compreender a performance de diversos ativos de investimento no Brasil


Artigo publicado originalmente no site Valor Investe, elaborado por Camila Affonso e Joseph Boukai, do Leggio Group, em parceria com o colunista Carlos Heitor Campani.


Olá, pessoal! Convidei a Camila Affonso, sócia do Leggio Group, e o Joseph Boukai, consultor do Leggio Group, para escrever comigo aqui na coluna. Meu objetivo é trazer cada vez mais assuntos diversos, porém relevantes para investidores em geral. O Leggio Group tem muita experiência e conhecimento no tema de logística portuária. Vamos lá?

O mercado portuário de contêineres vem ganhando cada vez mais destaque à medida que este desempenha um papel de grande importância no que diz respeito a economia e comércio nacional. No Brasil, temos diversos ativos que são diretamente ligados ao setor. Podemos citar a Santos Brasil, empresa brasileira listada em bolsa (Ticker: STBP3) de logística e transporte especializada em serviços portuários. A companhia possui como principal fonte de receita atividades ligadas à operação de terminais de contêineres, sendo estas provenientes principalmente do terminal no porto de Santos (SP). Outro exemplo, é o fundo BRZ Infra Portos FIP-IE (Ticker: BRZP11), fundo de investimento em participações em Infraestrutura, o qual tem como estratégia investir em ativos portuários brasileiros, e detém em seu portfólio a participação de 22,9% no porto de Itapoá (SC). Além disso, há muitas debêntures que financiam o desenvolvimento neste tipo de infraestrutura, as quais lembro serem isentas de IR para pessoas físicas (mas não para investidores institucionais, o que acaba sendo de fato uma vantagem).


Buscamos neste artigo explicar o funcionamento geral do setor. Este entendimento é de grande relevância para aqueles que buscam obter uma visão mais clara do modelo de negócio e, assim, entender a performance histórica dos ativos ligados a esse mercado. Além disso, a compreensão da dinâmica do mercado reduz o risco na tomada de decisão de investimentos no setor, sempre baseada nas expectativas futuras dos ativos.


Primeiramente, devemos entender a função dos terminais portuários dentro da dinâmica setorial. Estas infraestruturas desempenham um papel fundamental no transporte de mercadorias, viabilizando tanto operações de exportação quanto de importação. São, portanto, elementos de extrema relevância para a competitividade do Brasil no contexto do comércio internacional. Adicionalmente, devido à longa extensão da costa brasileira, a operação de cabotagem - que envolve a movimentação de cargas entre portos nacionais - possui um potencial relevante e ainda não se encontra plenamente desenvolvida no país. Além das operações relacionadas a exportação, importação e cabotagem, os terminais portuários também são utilizados para realizar o transbordo de cargas entre diferentes navios, possibilitando a continuidade da viagem em embarcações de capacidades diferentes. Outras operações de suporte à navegação marítima também são realizadas.


É importante, ainda, manter em mente que a dinâmica de terminais portuários depende diretamente do tipo logístico das cargas que movimentam predominantemente. Por exemplo, o modelo de negócios de um terminal portuário de movimentação de combustíveis (ou seja, um tipo de granel líquido) é bastante diferente do que a apresentada neste artigo. Podemos classificar os tipos de terminal portuário em quatro grandes tipos: (i) contêineres; (ii) granéis líquidos; (iii) granéis sólidos; e (iv) cargas gerais. De fato, o ambiente regulatório, a governança e a propriedade do ativo também afetam a dinâmica do terminal – inclusive sua estrutura de custos.


Os principais serviços oferecidos pelos terminais de contêineres estão associados às operações relativas à atracação do navio, à carga e descarga dos contêineres e ao armazenamento de contêineres no terminal. Os contêineres podem ter diferentes características, predominando os tipo dry e reefer, sendo o segundo com temperatura controlada (refrigerado ou congelado). Outros serviços também podem ser oferecidos pelos terminais, como serviços relacionados à logística integrada das cargas até o cliente final, como a consolidação (“ova") e desconsolidação (“desova”) de contêineres (além de inspeções), a armazenagem e transporte “porta a porta” (que podem envolver o registro e o acompanhamento dos processos logísticos dos clientes, o rastreamento e a localização de cargas em trânsito e a coordenação do transporte de carga fracionada do cliente) e ainda, serviços de assessoria (contemplando o planejamento dos fluxos físicos, o planejamento de processos aduaneiros e a própria tramitação aduaneira).


Dentro da dinâmica do mercado portuário de contêineres existem três principais atores que exercem influência na cadeia. Primeiramente, os embarcadores, que são os proprietários ou comercializadores da mercadoria que necessitam transportar as cargas ao longo das cadeias de suprimento, mais especificamente do local em que o produto é produzido até seu respectivo ponto de consumo. Em seguida, podemos citar os armadores, que operam no mercado mundial e são responsáveis pelo transporte marítimo de cargas de acordo com as rotas otimizadas a nível global. Os armadores são donos dos navios e dos contêineres utilizados nas operações. Finalmente, temos os operadores portuários, que se tornam parte de cadeias de suprimento globais e são responsáveis pela prestação dos serviços aos dois primeiros. Deste modo, é impossível compreender completamente a performance de um ativo portuário sem considerar a dinâmica completa do mercado, o que inclui embarcadores e armadores.


Os armadores comumente concentram seus esforços na otimização do aproveitamento de seus ativos, ou seja, na maximização da movimentação de contêineres no mínimo tempo possível e com o mínimo de embarcações possível. Assim, estes players buscam estratégias de obtenção de economias de escala, que podem envolver o direcionamento de suas cargas para infraestruturas específicas de seu interesse, exercendo um impacto direto na dinâmica competitiva entre portos situados em proximidade geográfica. Neste contexto, é comum a existência de parcerias ou associações formais com armadores de grande porte que assegurem uma demanda estável em um novo empreendimento. Por outro lado, os embarcadores, adotam estratégias visando a redução dos custos logísticos totais em suas cadeias, o que engloba os custos de armazenagem e a seleção das rotas de transporte terrestre e marítimo de seus produtos e, consequentemente, a escolha do terminal portuário a ser utilizado.


O mercado de terminais portuários, tal como qualquer mercado de infraestrutura de transportes de larga escala, tem elevadas barreiras de entrada. Em termos financeiros, a maior barreira deve-se aos substanciais investimentos iniciais exigidos para a implantação de terminais, especialmente o CAPEX relacionado a edificações que compõem a infraestrutura marítima e a obtenção e construção dos equipamentos do terminal. Do ponto de vista físico, a principal dificuldade reside na obtenção da propriedade de áreas com aptidão para atividades portuárias. Apesar da grande extensão da costa brasileira, a vocação portuária é determinada pela existência de águas abrigadas, com profundidade considerável e em proximidade com grandes mercados consumidores e/ou produtores.


Sob o aspecto regulatório, a atividade portuária envolve processos de licenciamentos longos e dispendiosos, estendendo-se frequentemente por períodos de vários anos e sujeitos a possíveis contratempos. Entretanto, com o propósito de atrair novos investimentos para o setor, novos marcos regulatórios são comumente debatidos e implementados. A título de exemplo, podemos citar a Lei dos Portos, como é conhecido o marco regulatório de 2013, o qual teve como principal objetivo aprimorar a eficiência dos portos, estimulando a expansão dos investimentos privados no segmento, principalmente através da distinção entre Áreas do Porto Organizado e Terminais de Uso Privado (TUPs).


Via de regra, os concessionários de áreas em portos públicos estão sujeitos à influência da autoridade portuária e têm a obrigação de pagar pelo arrendamento da área, além de realizar investimentos pré-determinados de acordo com o respectivo edital. Porém, eles não têm custos relacionados aos acessos terrestres ao terminal. Por outro lado, os TUPs estão sujeitos a uma regulação menos rigorosa e, em geral, não sofrem interferência por parte da autoridade portuária, sendo os investimentos para a construção do terminal e dos acessos de responsabilidade do operador autorizado. Dessa forma, ao reduzir a dependência de serviços de natureza pública, os TUPs podem oferecer maior produtividade ao cliente final, aumentando a atratividade do setor para o capital privado.


Em março de 2022 foi promulgada, ainda, a Lei 14.301/22, que teve sua origem no projeto de Lei 4199/2020, conhecido como "BR do Mar". Seu objetivo primordial é fomentar a competitividade do modal da cabotagem em relação a outros modais, visando aumentar sua participação na matriz de transporte nacional. O transporte de contêineres no modal está no centro da motivação da Lei.


O Mercado Brasileiro e a Dinâmica Competitiva


A maior parte da movimentação de carga no Brasil ainda está relacionada ao comércio exterior, especificamente nas navegações de longo curso (entende-se importação e exportação). No entanto, a extensa costa brasileira favorece o desenvolvimento do transporte por cabotagem (ou seja, entre portos nacionais), o que tem sido evidenciado tanto pelo crescimento acelerado histórico desse modal quanto por programas governamentais, como a BR do Mar que, como mencionado, têm como objetivo impulsionar essa forma de transporte.


Ao longo dos últimos 20 anos, é possível observar uma tendência de redução gradual da participação do longo curso no volume total de carga conteinerizada movimentada no país, a favor do transporte de cabotagem. De fato, o volume total de todas as navegações apresenta crescimento real no período. Vale ressaltar também que o aumento da navegação de transbordo de navios maiores influencia o crescimento da fração de cabotagem no mix total.


Em relação à dinâmica competitiva entre terminais de contêineres, esta pode ser observada tanto em escala nacional quanto local. Na esfera nacional, podemos identificar regiões sendo atendidas por clusters (agrupamentos de terminais), nos quais ocorre uma competição local (intracluster). A competição entre os clusters (intercluster) é menos intensa, uma vez que existe uma clara tendência de proximidade entre os polos geradores ou consumidores de carga conteinerizada e as operações portuárias que os atendem.


Por outro lado, no âmbito local (intracluster) a concorrência é mais forte. Dentre os principais fatores que afetam esta dinâmica, os principais são a capacidade de movimentação (cais e pátio), a disponibilidade de janelas de atracação nos terminais, a eficiência e qualidade das operações de embarque e desembarque de cargas, as negociações comerciais relacionadas ao movimento de cargas e o envolvimento societário dos armadores nos terminais. É importante ressaltar que é raro um navio fazer escala em dois terminais do mesmo cluster. Em relação à movimentação total, os clusters Santos e Sul são os maiores, seguidos pelos clusters Nordeste e Extremo Sul.



A dinâmica do mercado portuário de contêineres — Foto: Carlos Heitor Campani


Esperamos ter colaborado com setor tão relevante para a economia brasileira. É válido reiterar que a análise de qualquer tipo de ativo necessita passar pela etapa de entendimento da dinâmica do mercado no qual o mesmo está inserido, para que assim se consiga interpretar de modo correto os dados realizados e avaliar da melhor forma as possíveis projeções e tendências do setor. Uma análise completa dá robustez a investimentos deste porte e traz, seguramente, uma relação risco-retorno mais benéfica para o investidor.


* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças, Sócio da CHC Treinamento e Consultoria, Pesquisador da Cátedra Brasilprev em Previdência e da ENS – Escola de Negócios e Seguros.


*Camila Affonso é Sócia do Leggio Group, Diretora do Departamento de Infraestrutura da FIESP, Mestre em Finanças Corporativas pela Université de Bordeaux, Especialista em Finanças pelo COPPEAD/UFRJ, Engenheira de Produção e Matemática pela UFRJ.


*Joseph Boukai é Consultor do Leggio Group, Especialista em Finanças pelo COPPEAD/UFRJ e Engenheiro Químico pela PUC-RJ.


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