Artigo publicado originalmente no site Valor Investe, elaborado por Camila Affonso do Leggio Group, em parceria com o colunista Carlos Heitor Campani.
Olá, pessoal. Convidei novamente a Camila Affonso com o time do Leggio Group para escrever comigo aqui na coluna, sempre com o objetivo de trazer um conhecimento específico e ao mesmo tempo relevante para vocês. Este artigo aborda a nossa percepção a respeito dos investimentos portuários planejados a partir de 2024, com foco ilustrativo no entendimento prático no caso do terminal PAR15, situado no porto de Paranaguá, no Paraná. Lembro que o Leggio Group tem muita experiência e conhecimento no tema de logística portuária, que, como falei, é bastante específico. Vamos lá?
Em janeiro deste ano, o diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Eduardo Nery, confirmou a intenção de leiloar 35 terminais aquaviários até 2026. Logo em seguida, em fevereiro, o órgão anunciou que 19 leilões devem ocorrer ainda em 2024, totalizando um possível investimento de R$ 12 bilhões ao longo deste ano. Os leilões abrangem arrendamentos em 10 diferentes portos de norte a sul do país.
Os projetos mais relevantes estão nos portos de Paranaguá, Itajaí e Itaguaí, onde são previstos investimentos de R$ 4,6 bilhões, R$ 2,9 bilhões e R$ 2,7 bilhões respectivamente. O porto de Itajaí, que anteriormente movimentava quase exclusivamente contêineres, enfrenta redução em suas operações devido à falta de contrato vigente de arrendamento. Já os portos de Itaguaí e Paranaguá são importantes para a exportação de commodities como soja e minério de ferro. Detalhes sobre os investimentos previstos e os principais produtos movimentados dos terminais com leilões programados constam na tabela abaixo.
Estes investimentos são relevantes não apenas para as economias locais, mas igualmente para a economia nacional, pois geram ciclos virtuosos de geração de empregos diretos, prestação de serviços e tributos, por exemplo. Porém, a efetiva materialização desses investimentos depende do engajamento da iniciativa privada nos leilões previstos e, posteriormente, da execução das condições contratuais.
Outro ponto importante é que, após a vitória do leilão, o desafio passa a ser a boa operação do ativo concedido. Entendemos que a construção de uma modelagem financeira realista, que precifique corretamente os riscos que afetam o fluxo de caixa projetado, é um primeiro passo importante para um período de concessão bem-sucedido. Esta modelagem deve levar em conta fatores que afetam diretamente a geração de receita e necessidade de expansões, tais como (i) o perfil dos ativos e características da operação, (ii) a demanda potencial do ativo analisado, (iii) o ambiente competitivo e (iv) cenário de risco.
A decisão de investimentos em ativos logísticos carrega naturalmente incertezas e riscos inerentes a investimentos de longo prazo e intensivos em capital. O quadro abaixo indica os principais riscos que podem afetar a operação em ativos logísticos e que devem ser modelados na etapa de estudos. Esta modelagem deve ajustada de modo a viabilizar o sucesso no processo de leilão, mas também a permitir uma operação rentável no futuro.
O porto organizado de Paranaguá concentra 39% da previsão de investimentos, somando R$ 3,5 bilhões nos terminais PAR14, PAR15 e PAR25 mais R$ 1,1 bilhão em investimentos na concessão do canal de acesso. Por conta de sua relevância, iremos tomar o exemplo do terminal PAR15 para explorar suas principais características a fim de ilustrar de modo prático os tipos de investimentos esperados no setor.
Com leilão previsto para os arrendamentos dos terminais PAR14, PAR15 e PAR25, o porto de Paranaguá movimentou 58,3 milhões de toneladas em 2023, posicionando-se como a 5ª maior instalação portuária do país no ano passado. A movimentação do porto é focada em produtos agrícolas e contêineres, sendo que a soja e seus subprodutos correspondem a 36% da movimentação total (com açúcar e milho representando juntos 17%, segundo dados da Antaq). No ano passado, o porto de Paranaguá foi responsável por 12,6% das exportações de soja se comparado no âmbito de todos os portos brasileiros.
O PAR15 será realizado em uma área Brownfield, ou seja, sobre um terreno com estruturas já existentes, atualmente arrendada pela Cargill, podendo essas estruturas serem demolidas ou renovadas pelo novo arrendatário. O terminal será destinado à movimentação e armazenagem de granéis sólidos e vegetais, especialmente farelo de soja, grãos de soja, açúcar e milho, o que pode potencializar a representatividade da região na movimentação destes produtos.
O Brasil desempenha papel relevante no ranking global de trading de commodities agrícolas e seus derivados, destacadamente soja, milho e açúcar de cana. O escoamento destas commodities desde as regiões produtoras até o destino final envolve uma complexa cadeia de suprimentos, que inclui a movimentação terrestre (por rodovias, ferrovias e hidrovias), a armazenagem e a movimentação portuária no território nacional antes do início do transporte marítimo internacional.
Este escoamento pode ser dividido em diferentes corredores, que confluem para terminais portuários. Estes corredores, por sua vez, têm fluxos de exportação de commodities agrícolas e de entrada de insumos agrícolas (como fertilizantes). A capacidade de movimentação disponível nos ativos logísticos de cada corredor é disputada pelas regiões produtoras, e os fluxos distribuem-se em uma dinâmica que refletirá o mínimo custo logístico total até o destino final. Para ilustrar, abaixo apresentamos um mapa com as principais áreas de cultivo de soja no Brasil.
A capacidade dos corredores, por sua vez, é ampliada pela finalização de novos projetos, tanto de movimentação terrestre como portuária. Por isso, a demanda dos ativos portuários no longo prazo deve ser avaliada através de modelos numéricos de otimização a nível nacional – uma vez que projetos estruturantes de movimentação terrestre podem afetar diretamente a direção do escoamento de áreas produtoras centrais (como é o caso de Goiás, por exemplo). O mapa abaixo exemplifica os corredores atuais no Brasil.
Voltando ao caso específico do terminal PAR15, estima-se uma movimentação inicial de 2,9 milhões de toneladas em 2028, ano de conclusão da readequação do terminal, com aumento gradual até atingir 3,5 milhões de toneladas em 2055, conforme observado na figura abaixo.
Além dos investimentos e readequação da capacidade do terminal, também serão necessários investimentos referentes às conexões do local com a ferrovia e investimentos nas próprias infraestruturas comuns do porto. O investimento previsto para o terminal soma o total R$ 607 milhões, faseado em 3 principais etapas como mostrado na figura a seguir, sendo a primeira etapa a responsável por aproximadamente 68% do dispêndio total do CAPEX.
A próxima figura apresenta o investimento segregado por tipo. Percebe-se que 73% do CAPEX é destinado a obras e serviços da área comum ao porto e 14% em equipamentos, totalizando juntos 87% do total. A primeira categoria se refere basicamente a 2 principais itens, obra para construção do píer em T (R$ 372,6 MM) e para realizar a conexão ao terminal (R$ 67,7 MM). Já para os equipamentos, os principais investimentos são voltados para as correias transportadoras de recepção e expedição do produto, 3 no total, somando um investimento de R$ 64,4 MM. A categoria de “Demais” representa contingências e despesas administrativas (R$ 27,6 milhões cada).
Esperamos ter conseguido chamar a sua atenção para os investimentos portuários vindouros não apenas ao longo deste ano mas também nos próximos. Este setor movimentará investimentos vultosos e tem tudo para se manter extremamente relevante para a economia nacional. Há diversos fundos de investimentos especializados neste tipo de ativo e certamente muitos gestores estarão de olhos bastante abertos para estas oportunidades de investimento.
Disclaimer: Ressaltamos que todos os dados e informações aqui apresentados são de acesso público. Para um artigo futuro, iremos abordar a modelagem de demanda e de avaliação financeira de um terminal portuário. Você sabe como funciona um modelo financeiro de um terminal portuário? Comente aqui!
E aí, o que acharam? Convido vocês a se conectarem comigo nas redes sociais, @carlosheitorcampani, para que possamos interagir e conversar sobre temas em Finanças, especialmente investimentos e educação financeira.
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