Atualmente, a expectativa para substituição energética do diesel é que esta ocorra em duas ondas distintas: na primeira onda, a substituição energética do diesel terá como principal propósito a redução parcial das emissões de gases do efeito estufa (GEEs) associada a instrumentos de descarbonização do transporte. Em uma segunda onda, a introdução de novas motorizações terá como objetivo eliminar as emissões de GEEs.
A divisão em duas ondas se deve ao fato de não haver tecnologia disponível, comercialmente madura e economicamente efetiva, que possa atingir a meta de emissão zero na próxima década. A introdução gradual de diferentes tipos de motorizações, de acordo com sua aplicação, permitirá o desenvolvimento da tecnologia adequando-se às exigências regulatórias vigentes. Mesma fórmula aplicada hoje para redução de emissões através dos padrões especificados pelo CONAMA no Programa de Controle de Emissões Veiculares 8 (atualmente Euro 6).
As tecnologias disponíveis para substituição do diesel estão distribuídas entre: motorização elétrica, motorização híbrida diesel-elétrica, motorização a gás natural (gás natural liquefeito ou gás natural comprimido) e motorização à hidrogênio. Todos os tipos estão em fase de comercialização na Europa, exceto a motorização à hidrogênio. Também importante esclarecer os quatro principais segmentos distintos de aplicação das motorizações: caminhões para entregas urbanas (tipicamente vans, caminhões leves e médios), ônibus urbanos, caminhões e ônibus para transporte em longa distância, máquinas e caminhões de uso agrícola.
No momento, o diesel serve a todas as aplicações, mas no futuro as diferentes alternativas poderão cobrir segmentos distintos, onde deverão ser considerados cinco critérios na avaliação da motorização: autonomia, infraestrutura de abastecimento, valor inicial do investimento no veículo, custo de manutenção e mercado secundário (revenda). Importante notar que os requisitos para os critérios não serão os mesmos em cada segmento, por exemplo, a autonomia desejada para máquinas e caminhões agrícolas será diferente daquela esperada para um ônibus urbano. Além disso, cada critério poderá ter peso maior ou menor em cada segmento.
1ª Onda de Substituição Energética do Diesel
Na primeira onda, iniciando-se ainda na década atual e com sua consolidação na década de 2030, o objetivo de reduzir as emissões de GEEs poderá ser atingido por soluções disponíveis.
De fato, a combinação entre o desenvolvimento de novos biocombustíveis, a motorização híbrida para veículos pesados e neutralização de emissões através do mercado de carbono, poderá ser a principal tendência para o transporte de carga e passageiros em longa distância nos próximos anos. Este cenário é suportado no Brasil pelo estímulo atual à indústria de biocombustíveis, a lenta articulação no mercado para criação de corredores de abastecimento para combustíveis alternativos, somada à amplitude da malha rodoviária nacional e o atraso na criação do mercado de créditos de carbono.
Esta combinação irá direcionar a substituição energética do diesel no Brasil para a utilização de veículos híbridos elétricos combinada com o uso de biocombustíveis. A resistência à substituição da motorização à diesel neste segmento, dado o custo de aquisição de novas motorizações, tem reduzido fortemente a velocidade da transição energética, adiando seu início. Comportamento semelhante é observado na Europa, onde os dados de venda de caminhões ao longo dos anos demonstram a velocidade reduzida da transição neste mercado.
Fig. 1 – Vendas de caminhões na Europa por tipo de motorização Fonte: Acea.
No mercado de ônibus urbanos, a expectativa é que o uso de veículos híbridos diesel-elétrico e veículos elétricos se fortaleça representando a principal tendência para este segmento nesta primeira onda de substituição energética no Brasil. Em função do incentivo a estes dois tipos de motorização existente em algumas capitais e os custos promissores no ciclo de vida em relação a motorização à diesel, a velocidade de introdução desta tecnologia pode ser maior.
Cabe ressaltar que o uso de biocombustíveis, assim como a neutralização de emissões, também faz parte da combinação de fatores que representam a transição energética neste segmento de mercado. Na Europa, a grande participação de novos tipos de motorização no mercado, elétrica e híbrida diesel-elétrica se consolidam como principais tendências, no entanto, também se observa a entrada tardia de veículos a gás, mesmo não obtendo melhores resultados em relação à redução de emissões de GEEs.
Fig. 2 – Vendas de ônibus na Europa por tipo de motorização. Fonte: Acea.
Nesta primeira onda, há a expectativa da ampliação do uso de caminhões elétricos leves nas frotas urbanas, principalmente em função da necessidade limitada de autonomia, que hoje é plenamente atendida pelos veículos disponíveis no Brasil. Considerando o custo no ciclo de vida, os caminhões elétricos se equivalem aos híbridos diesel-elétrico, e permitem substituição dos motores diesel atuais garantindo um patamar de emissão zero, que os torna interessantes para empresas direcionadas a se posicionar proativamente na transição energética. Este segmento do mercado estaria se antecipando às exigências da 2ª onda de substituição energética.
Por último, no caso de máquinas e caminhões para uso agrícola observa-se a possibilidade de utilização de veículos com motorização a gás, considerando o interesse em ampliação do uso de biometano em regiões onde sua produção ocuparia um espaço natural no manejo de resíduos agrícolas. A disponibilidade comercial de veículos com esta motorização no país facilita o teste e desenvolvimento deste segmento, de forma a preparar o setor agrícola para a transição energética. O consumo neste segmento representa atualmente cerca de 15% do volume de diesel B no país.
2ª Onda de Substituição Energética do Diesel
A principal característica da 2ª onda para transição energética do diesel é representada pelo atingimento de zero emissões. A expectativa é que este tipo de cenário só possua condições que sustentem essa nova mudança tecnológica na década de 2050, mesmo que este movimento se inicie ainda na década anterior. Tais condições podem ser exemplificadas por “carbon taxes” que seriam representativas o suficiente para justificar os custos adicionais necessários para uma nova mudança tecnológica.
Neste caso, haveria duas soluções atualmente disponíveis: motorização elétrica e motorização a hidrogênio. Ambas não atenderiam às condições de uso para transporte de carga e passageiros em longas distâncias atualmente, porém o desenvolvimento nas próximas duas décadas poderá trazer novas possibilidades. Desta forma, a substituição energética do diesel neste segmento de mercado ainda deverá aguardar os próximos anos para uma definição clara.
No caso da aplicação para ônibus urbanos, a motorização elétrica já estaria em uso, possivelmente mais desenvolvida, havendo apenas o direcionamento para necessidade de atingimento de emissão zero neste segmento para a complementação da transição energética nesta 2ª onda.
No caso do setor agrícola a eliminação de emissões deverá ser direcionada para as motorizações elétrica e a hidrogênio no futuro, considerando tecnologias para produção local destes combustíveis alternativos, a partir da biomassa disponível. Esse vínculo entre a disponibilidade do insumo e a produção do combustível será um direcionador para a escolha das novas motorizações neste segmento.
Como o horizonte de 2040 e 2050 é ainda de difícil previsão, não se pode descartar novos avanços tecnológicos que venham a melhorar as motorizações em desenvolvimento ou criar novas alternativas ainda não mapeadas comercialmente, mudando o cenário para a 2ª onda.
Demanda por Diesel no longo prazo
A partir do cenário proposto de divisão da substituição energética do diesel em duas ondas, a Leggio propôs diferentes curvas de demanda, onde é possível identificar qual seria o impacto sobre o consumo deste produto no longo prazo para o Brasil (Fig 3).
Fig. 3 Projeção da Demanda de Diesel no Longo Prazo
Na primeira onda, considerando o crescimento esperado da demanda nacional por transporte, três fatores principais para modificação do consumo do produto são aplicados na projeção:
a) A ampliação do uso de biodiesel na mistura com Diesel A;
b) A introdução do HVO na mistura com Diesel A;
c) O efeito da substituição por novas motorizações com diferentes perfis de consumo para o diesel A.
Claramente, nos cenários testados, o efeito da utilização de biocombustíveis tem um impacto representativo nas décadas de 2020 e 2030, tornando-se o principal fator de amortecimento para o consumo de diesel A. Em um segundo momento, a substituição dos veículos a diesel por novas motorizações nos diversos segmentos, na primeira onda e segunda onda, geram o efeito de redução gradual do consumo do diesel A no final da década de 2040 e ao longo da década de 2050.
Os efeitos indicados se justificam da seguinte forma: a implementação de maiores percentuais de mistura de biocombustíveis tem efeito imediato na redução do consumo de diesel e precisa estar acompanhado de metas de compensação de emissões de carbono para que se tenha um pleno atingimento das metas de descarbonização.
No longo prazo, o efeito da utilização de motorizações com emissões reduzidas, e posteriormente com emissão zero, permite que os valores de consumo se reduzam na década de 2050. Ou seja, a introdução de novas motorizações tem um efeito lento em função da vida útil dos veículos pesados. A primeira onda de substituição energética do diesel terá seu efeito alongado, uma vez que ela apenas se iniciou, deslocando os efeitos da segunda onda para o futuro, conforme se verifica nos cenários mostrados no gráfico.
Portanto, apesar das expectativas de redução do uso de diesel, os cenários se mostram resilientes, apresentando uma redução lenta de seu consumo.
Conclusão
A possibilidade de realizar a transição energética do diesel de forma gradual, introduzindo novas motorizações em duas ondas distintas por aplicação, definidas a partir da regulação de emissões, poderá ser um cenário para atingir a redução de emissões de GEEs, garantindo parâmetros adequados de custo para os segmentos de transporte e agrícola. A velocidade de substituição da motorização a diesel será determinada por três fatores: política de uso de biocombustíveis, metas de descarbonização por segmento e disponibilidade comercial de novas motorizações. A combinação destes fatores direcionará a expectativa de consumo de diesel no futuro.
Nota: este artigo, de autoria de Marcus D´Elia, foi originalmente publicado com exclusividade na Revista Brasil Energia.
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