Por Joseph Boukai, da Leggio Consultoria
Disclaimer: Os resultados financeiros e as avaliações aqui apresentadas não são recomendações de investimento. Constituem apenas uma avaliação imparcial e isenta de uma empresa listada em bolsa com os resultados públicos.
A verificação da viabilidade de projetos em infraestrutura deve levar em consideração o ambiente macroeconômico além das perspectivas de crescimento econômico, avaliando as tendências da inflação, do câmbio e da taxa básica de juros. Entender o funcionamento destas relações permite realizar modelagens e projeções mais precisas, ajustando o contexto de mercado para a realidade do ativo que está sendo avaliado e, assim, apontando alternativas de redução de riscos.
Com o objetivo de ilustrar este efeito, será utilizada como estudo de caso a Rumo, mais especificamente o impacto dos juros em seu resultado. Para isto, avaliou-se o índice de endividamento, grau de alavancagem e, consequentemente, a dinâmica de investimentos da empresa. Utilizamos como exemplo a evolução dos resultados do primeiro trimestre de 2021 (1T21) até o segundo trimestre de 2022 (2T22), período no qual ocorre a elevação da taxa básica de juros no Brasil.
A Rumo, companhia pertencente ao grupo Cosan e resultante da fusão entre Rumo Logística e a ALL, é a maior operadora de logística ferroviária independente do Brasil, oferecendo serviços logísticos de transporte ferroviário, operação de terminais e armazenagem, e logística de contêineres. Em 2015, após a conclusão da fusão, a empresa destravou um crescimento considerável, conseguindo expandir sua operação.
A malha ferroviária da Rumo conta com cerca de 14 mil km de extensão, divididas nas operações Norte, Sul e Central, além de possuir ligação direta com os portos de Santos, Paranaguá, São Francisco do Sul e Rio Grande. A partir desta malha, é realizado o transporte de diversos tipos de produto desde granéis sólidos como, milho, trigo e soja, representando ao total cerca de 26% do volume de grãos exportados pelo Brasil, granéis líquidos como diesel, gasolina e etanol e também produtos industrializados dos setores de siderurgia, construção civil, florestal, consumo e contêineres.
Com relação ao cenário macroeconômico, desde o 1T21 até o 2T22, ocorreu uma escalada da taxa básica de juros no Brasil, a Taxa Selic, de 2% para 13,25% (Figura 1). Isto ocorreu por conta da persistente inflação no país, e pelo uso de instrumentos de política macroeconômica pelo Banco Central através da taxa básica de juros. Porém, o aumento brusco desta taxa pode impactar significativamente o valor de ativos negociados, principalmente aqueles que possuem os fluxos de caixa mais fortes gerados no futuro. Impacta, ainda, os resultados financeiros das empresas, na medida em que afetam a precificação da dívida, e em graus diferentes dependendo do seu grau de alavancagem.
1) Demonstração do Resultado do Exercício (DRE):
Seguindo uma linha didática, a análise pode ser iniciada nas principais rubricas da Demonstração do Resultado do Exercício (DRE) para compreender o funcionamento da companhia. A DRE nada mais é que um resumo das operações financeiras da empresa em um determinado período, contendo as principais rubricas para aferir a geração de lucro ou prejuízo. A Figura 2 consolida a evolução destes resultados para o período analisado.
Como mencionado, a Rumo gera receita a partir do transporte de cargas e serviços acessórios a esta atividade. Pode-se perceber que ocorreu um aumento da receita líquida em torno de 40% do 1T21 até 2T22, este explicado pelo aumento do volume transportado (Figura 3).
Seguindo as linhas da DRE, partir da Figura 4, avalia-se que mesmo com um aumento da receita líquida e do lucro bruto no período analisado, ocorreu uma redução do lucro líquido de R$175MM para R$30MM, chegando a atingir um prejuízo de R$384MM no 4T21.
Mais detalhadamente, nas rubricas localizadas entre o lucro bruto e o lucro líquido, é possível verificar que o principal impacto deriva do resultado financeiro líquido. Este evoluiu de R$ 205MM para R$ 592MM negativos (Figura 5).
2) Resultado Financeiro:
Como pode-se verificar na Figura 6, o resultado financeiro é calculado a partir do custo dívida bruta. Retirando os rendimentos das aplicações financeiras, revela-se o custo da dívida líquida e, após considerar a rubrica de outros encargos e variações monetárias, chega-se ao resultado financeiro líquido.
Analisando o histórico do custo da dívida bruta no período (Figura 7), percebe-se que esta aumentou mais de 10 vezes, passando de R$51MM para R$552MM. Como mostrado na figura acima, dentro deste custo, as principais exposições são a i) juros; ii) variação monetária; iii) variação cambial; e iv) derivativos e valor justo. De acordo com a Rumo, “A Companhia utiliza derivativos para administrar riscos de mercado. Todas as transações são realizadas dentro das diretrizes estabelecidas pela política de gerenciamento de risco. Geralmente, a Companhia procura aplicar a contabilidade de hedge accounting para gerenciar a volatilidade nos lucros ou prejuízos”. Estes riscos de mercado, são, de forma geral, compostos pelo risco cambial e risco da taxa de juros. Também é citado nos resultados que “A companhia possui instrumentos financeiros sobre os quais incidem a taxa de juros em grande parte variáveis, o que expõe o resultado financeiro aos riscos de flutuação das taxas de juros”. Dessa forma, deve-se analisar a exposição da empresa à taxa de juros.
3) Exposição à Taxa de Juros:
A companhia possui uma seção específica para explicar como funciona esta exposição. Neste âmbito, foi realizada pela empresa uma sensibilização de cenários macroeconômicos para avaliar os impactos da taxa de juros dentro de suas exposições. A análise por sensibilidade nada mais é que uma avaliação de risco com o objetivo de se medir o impacto da alteração de uma variável dentro do resultado desejado.
Como mostrado na Figura 8, foram premissadas a taxa base dos juros (Selic/CDI), juros de longo prazo (TJLP) e da inflação (IPCA), de um cenário mais provável. A partir delas, foram calculados cenários de aumento e redução de 25% e 50%.
Os resultados são ilustrados na Figura 9. É possível notar que, de fato, as principais rubricas impactadas são aquelas ligadas a empréstimos, financiamentos e debêntures, assim como os derivativos de taxa de juros e câmbio.
Desta forma, deve-se analisar como são estruturados e calculados esses valores. Quando analisamos a composição dos indexadores relacionados a empréstimos, financiamentos e debêntures, vemos que grande parte deles está atrelado ao IPCA e ao CDI, como mostrado na figura abaixo.
O mesmo padrão repete-se para os instrumentos financeiros, onde tanto os indexadores dos hedges de risco de inflação e de câmbio, estão atrelados a estas mesmas taxas macroeconômicas, como mostrado na figura abaixo.
4) Principais Impactos
O primeiro impacto analisado é em relação a alavancagem da empresa. Esta pode ser definida como uma estratégia de utilização de capital de terceiros ou outros instrumentos financeiros para aumentar o retorno potencial de um investimento, ou seja, essencialmente utilizar-se de uma dívida para financiar investimentos em ativos.
Um indicador útil para mensurar este efeito é
e é calculado pela empresa. O primeiro termo é resultado do endividamento abrangente bruto descontado do caixa e equivalentes de caixa e títulos e valores mobiliários e caixa restrito ligado a dívida. Em seguida, o EBITDA LTM refere-se a soma do EBITDA gerado nos últimos doze meses.
A partir da Figura 12, percebe-se que este indicador aumenta no período analisado de 2,0 para 2,7, justificado pelo maior aumento da dívida líquida vis a vis o EBITDA gerado. A própria empresa cita que os covenants, compromissos de contratos de financiamento ou empréstimos os quais servem como proteção para os interesses dos credores, para dezembro de 2022 permitem uma alavancagem máxima de 3,0x.
Naturalmente, novas capturas de dívidas que aumentem a relação desta alavancagem podem acabar aproximando-se ainda mais do limite estabelecido pela companhia, podendo haver restrições de novos investimentos a partir destes meios. Ainda, o aumento excessivo deste indicador pode provocar um risco financeiro na empresa, caso o retorno dos investimentos seja menor do que os juros tomados, assim a empresa teria que consumir o próprio caixa para conseguir pagar os juros.
Deve-se, ainda, analisar como comportaram-se novos investimentos realizados pela Rumo, que podem ser medidos pelo CAPEX (Capital Expenditure). O CAPEX pode ser definido como o montante de valor referente à aquisição de bens de capital, ou seja, fundamentalmente são os recursos destinados a compra de equipamentos, maquinários, veículos, instalações, realizações de construções, entre outros.
A empresa, na divulgação dos seus resultados, divide o CAPEX total em dois principais tipos, recorrente e de expansão como mostrado na Figura 13. O CAPEX recorrente mostra-se bastante estável, sendo este responsável principalmente pelos investimentos recorrentes necessários para a continuidade da operação. Já o CAPEX de expansões é constituído por investimentos com objetivos de expandir a operação e consequentemente aumentar a geração de caixa. Percebe-se que este sofre uma queda ao longo do período analisado.
Acompanhando a elevação da taxa de juros, como visto anteriormente, ocorreu um aumento o custo da dívida. Concomitantemente a este efeito, o montante investido em expansões das operações e novos projetos foi reduzido. Pode-se conjecturar uma relação entre estes fatos, direcionando parte da economia de CAPEX para cobrir a despesa financeira gerada pelo custo da dívida e o aumento dos juros a serem pagos.
Portanto, a partir das análises realizadas, avalia-se que os resultados da Rumo tendem a possuir uma alta sensibilidade à taxa de juros. A elevação desta taxa, impacta a empresa nos seguintes aspectos:
(i) O aumento do custo da dívida e, por consequência, aumento do grau de alavancagem e respectivo risco de pagamento de juros;
(ii) A piora dos resultados financeiros, acompanhando a variação do CDI, é o principal fator que impacta este tipo de resultado entre custos de empréstimos, financiamentos, debêntures e operações com instrumentos financeiros. As outras variações no resultado financeiro, quando avaliadas em conjunto, não representaram um efeito significativo no resultado; e
(iii) A redução dos montantes de investimento. Por ser uma empresa focada em crescimento, ocorre o uso de capital intensivo para geração de valor sustentável no longo prazo. Observou-se que o aumento do custo da dívida e da alavancagem foi acompanhado por uma redução de seus investimentos em CAPEX de expansões da operação e novos projetos.
Deste modo, fica clara a relação entre o ambiente macroeconômico e a dinâmica de geração de valor de um projeto – neste caso, ilustrada pela empresa Rumo, operadora de trechos ferroviários. Portanto, avaliar os possíveis cenários futuros para os instrumentos da política macroeconômica permite reduzir riscos na tomada de decisão e, consequentemente, melhor alocação de recursos.
Comments